Justiça do Trabalho registrou aumento de 15% no fechamento de acordos por conciliações em 2023; entenda mecanismos que podem acelerar desfechos de processos
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) constatou aumento de 15% no volume de conciliações na Justiça do Trabalho em 2023. Com isso, 20,3% dos casos foram resolvidos através desse tipo de acerto na área trabalhista, que se firma como uma das que mais utiliza esse tipo de negociação.
Para saber um pouco mais sobre o assunto, o Infomoney ouviu especialistas que explicaram como funcionam ferramentas como conciliação, mediação e arbitragem, que podem tornar não só a Justiça do Trabalho mais ágil como todo o Judiciário.
Para muitos advogados, a crescente adoção da conciliação pela Justiça do Trabalho reflete um movimento em direção à eficiência e à humanização da Justiça, quando a solução de conflitos, de forma rápida e consensual, é priorizada. Segundo os especialistas, a conciliação é uma ferramenta poderosa por promover maior harmonia nas relações de trabalho, beneficiando tanto as partes envolvidas quanto o sistema judicial.
De acordo com a advogada Daniela Poli, sócia do escritório Poli Advogados, em todo o sistema há uma tendência cada vez maior de se buscar métodos alternativos de resolução de conflitos, que priorizam a celeridade e a eficiência na solução de litígios trabalhistas. “Na Justiça do Trabalho tem sido mais usada por acelerar o andamento dos processos, reduzindo custos tanto para as partes envolvidas quanto para o próprio Judiciário”, explica a especialista. O principal ganho, no entanto, estaria no relacionamento entre empregador e funcionáro, uma vez que a conciliação promove uma solução amigável, o que é bastante desejável nas relações de trabalho.
Conciliação, mediação e arbitragem
Conciliação, mediação e arbitragem são vistas como os principais métodos alternativos de resolução de disputas. A conciliação é um processo em que um terceiro, imparcial, denominado conciliador, auxilia as partes a um acordo. O conciliador pode sugerir soluções, mas não tem o poder de impor uma decisão. A conciliação é amplamente utilizada em conflitos onde há um relacionamento contínuo entre as partes, como nas relações de trabalho. A decisão é homologada por um juiz ao final.
Já a mediação, similar à conciliação, também envolve um terceiro imparcial, o mediador. Ele tem o papel de facilitar a comunicação entre as partes para que elas mesmas encontrem uma solução para o conflito. O mediador não sugere soluções, apenas conduz o processo. A mediação é frequentemente aplicada em disputas complexas, onde a manutenção do relacionamento entre as partes é fundamental, como em questões familiares ou comerciais. A decisão também é homologada por um juiz na conclusão.
Diferentemente dos métodos anteriores, na arbitragem, as partes submetem o conflito a um ou mais árbitros. Geralmente alguém que conhece o assunto tratado e que têm o poder de decidir a questão. A decisão arbitral tem força vinculante e pode ser executada judicialmente. A arbitragem é comum em disputas comerciais, quando as partes buscam uma solução rápida e especializada, mas não desejam recorrer ao Judiciário.
Na Justiça do Trabalho, a arbitragem só é permitida em casos excepcionais como dissídios coletivos e quando há previsão contratual para empregados cuja remuneração seja superior a duas vezes o limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social (ou seja, para empregados que recebem remuneração acima de R$ 15.572,04). Em qualquer parte do processo pode-se tentar uma conciliação ou uma mediação. Para isso, basta comunicar essa intenção ao juízo onde tramita o processo ou ao Centro Judiciário de Métodos Consensuais de Solução de Disputas (CEJUSC). A criação dos CEJUSCs, hoje presentes em todos os Tribunais Regionais do Trabalho, é a demonstração clara de que a conciliação é a vocação natural da Justiça do Trabalho, segundo o advogado trabalhista Marco Vasconcelos, do Fonseca Brasil Advogados.
“É indiscutível o sucesso da conciliação ou mediação como métodos de solução de conflito na Justiça do Trabalho, tendo movimentado, só no ano de 2023, mais de R$ 7 bilhões, o que representou uma arrecadação de R$ 611 milhões para a Previdência Social e R$ 630 milhões para Imposto de Renda. O que demonstra que esse resultado não impacta somente as partes integrantes dos processos, mas também produz um alto impacto social e econômico”, diz Vasconcelos.
De acordo com a advogada Alessandra Mourão, sócia-fundadora da Nascimento e Mourão Advogados, a Justiça do Trabalho, historicamente, é uma precursora em acordos. Professora de Negociação na Escola de Direito da FGV de São Paulo e autora do livro “Negociação para Advogados”, Alessandra reafirma que se pode chegar a diferentes modos de acerto, com conciliação, mediação, arbitragem e ainda a negociação entre as partes. “A negociação difere de todos os outros porque não depende de um terceiro. São diretamente as partes que negociam. Em todo momento, as partes podem combinar umas com as outras o que elas querem fazer, para depois levarem a uma homologação judicial”, explica.
Judiciário mais ágil
Para a coordenadora da área trabalhista do escritório Boing, Vieites, Priscila Catarcione, o aumento no uso de ferramentas alternativas também tem a ver com as novas metas estabelecidas pelo Judiciário para se tornar mais ágil nas decisões. “Esse tipo de negociação torna o processo todo mais célere, gerando menos desgaste para as partes envolvidas, porque põe fim rapidamente ao litígio”, explica.
Outro fator que levou a este aumento no número de acordos na Justiça do Trabalho foi a pandemia de Covid-19, que até hoje causa reflexos na economia. Desta forma, tanto ex-empregados quanto ex-empregadores têm apresentado maior ânimo conciliatório, no intuito de firmarem acordos que permitam tanto que o empregado tenha seus direitos reconhecidos quanto às empresas consigam se reestruturar financeiramente, para continuar a operar.
Os especialistas dizem ainda que a Reforma Trabalhista, de 2017, trouxe a possibilidade de as empresas e os empregados também poderem realizar acordos extrajudiciais e submetê-los à homologação na Justiça do Trabalho, visando a satisfação de todas as partes, acelerando ainda mais os trabalhos.
Segundo Marco Vasconcelos, os dados do CNJ não surpreendem quem atua na área. “Isso porque o que se discute na seara laboral envolve, na maioria dos casos, direitos de natureza de subsistência como salários, depósito de FGTS, etc., ou seja, tudo que exige um desfecho rápido”, explica. De acordo com Vasconcelos, o resultado tem muito a ver com a meta nacional deste ano, aprovada pelo CNJ para a Justiça do Trabalho, de aumentar o índice de conciliação em 0,5 ponto percentual à média do biênio 2021/2022 ou alcançar, no mínimo, 38% de conciliação.
Por isso, hoje, a conciliação já se firmou como um dos principais instrumentos da Justiça para a solução dos litígios, segundo o advogado Ronan Leal Caldeira, chefe da área trabalhista no GVM Advogados. “A própria legislação da Justiça do Trabalho determina hoje que o juiz tente a conciliação entre as partes, sempre informando que a conciliação é o método mais rápido para solucionar o conflito”.
Para Marcello A. L. Vieira de Mello, sócio fundador do GVM Advogados e responsável pelas áreas de Arbitragem, Direito Civil e Bancário, não à toa essas ferramentas têm sido muito utilizadas no Brasil. “O país hoje tem o maior número de processos judiciais por habitante. E uma forma de se reduzir essa estatística é por meio da adoção dos meios alternativos de solução de conflitos, e a Justiça do Trabalho tem feito isso com maestria para desafogar o Judiciário”, diz.
Recordes legais
Segundo dados do CNJ, os brasileiros nunca acessaram tanto o Judiciário como atualmente. Em seu relatório Justiça em Números 2023, o conselho indica que, em 2022, foram mais de 31,5 milhões de novos processos, alta de 10% em relação ao ano anterior e recorde na série histórica nos últimos 14 anos. Em outubro de 2023, 84 milhões de processos tramitavam nos tribunais do país.
Apesar da alta demanda, a produtividade de magistrados também aumentou em 10% no mesmo período. A Justiça no Brasil soluciona uma média de 79 mil processos por dia. Por magistrado, no período de análise, são baixados 1.787 processos, uma média de 7,1 casos solucionados por dia útil.
O Poder Judiciário julga quatro vezes mais processos do que instituições semelhantes em países europeus. Por isso, a estrutura do Poder Judiciário tem acompanhado de perto a demanda. Enquanto no Brasil o número de casos novos na primeira instância chega a 14,68 processos por cem habitantes, na Europa o número é de apenas 3,57 processos. Já o número de casos solucionados na primeira instância no país chega a 11,89 processos por cem habitantes, ante os 3,26 registrados na Europa.
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